Em casa ou na escola, o recurso não pode ser sinônimo de babá eletrônica. A discussão não é necessariamente nova. Há tempos, a relação entre crianças e tecnologia divide opiniões e concepções educativas de famílias e escolas. Mas, se antes a questão resumia-se a deixar os pequenos assistirem ou não à televisão ou às horas despendidas diante do computador, hoje – em tempos de novas tecnologias e dispositivos móveis – o debate ganha maior complexidade e escala.
É consenso que celulares, tablets, consoles portáteis de games e outros eletrônicos têm adentrado o universo infantil cada vez mais cedo. Em muitos casos, inclusive, essa introdução conta com o apoio dos próprios pais e instituições de ensino. Não é raro encontrar escolas que, já no Ensino Infantil, ofertam atividades envolvendo tablets, aplicativos e outros recursos virtuais com o intuito de auxiliar aprendizagens, que vão desde brincadeiras explorando o conhecimento dos alunos sobre animais e cores até a alfabetização.
Em casa, o uso é ainda mais generalizado. O estudo americano Zero to Eight: Children’s Media Use in America, de 2013, revela que 38% das crianças com menos de 2 anos utilizavam gadgets (celulares, smartphones, leitores de MP3, entre outros), diante de 10%, em 2011. Na faixa etária de 2 a 4 anos, o índice subiu de 39% para 80% nesse mesmo intervalo de tempo e, de 5 a 8 anos, de 52% para 83%.
Dados como estes têm suscitado a seguinte questão:
O uso prematuro de tecnologia beneficia ou prejudica o desenvolvimento da criança?
“Tudo depende do uso que pais e educadores fazem deles”, responde Andréa Jotta, psicóloga do Núcleo de Pesquisas da Psicologia e Informática (NPPI) da PUC-SP. “Óbvio que, se você oferecer aplicativos que estão de acordo com a faixa etária da criança, isso vai despertar o interesse dela e até aí tudo bem. Mas começa a ser ruim quando algo da rotina dela passa a ser vinculado ao uso da tecnologia. Por exemplo, a criança só almoça ou só dorme depois que vê uma historinha no tablet”, explica.
Pesquisador em Neurociência e neurologista no Hospital Pequeno Príncipe, Antonio Carlos de Farias manifesta opinião semelhante. Para ele, não se trata de malefícios intrínsecos aos dispositivos eletrônicos, mas da quantidade de tempo que é despendido em seu uso. “É aquela história da diferença entre o remédio e o veneno. Tem de saber dosar, estabelecer um tempo adequado para cada faixa etária”, diz.
Nesse sentido, pais e educadores precisam ter em mente que crianças entre 3 e 4 anos de idade, por exemplo, precisam exercitar e desenvolver sua comunicação verbal e não verbal. “Nessa fase, a criança está desenvolvendo sua linguagem. Então, se ela passar um tempo muito extenso nessas atividades tecnológicas, poderá perder conceitos de comunicação e de sociabilização importantes”, adverte. Nessa primeira infância, principalmente, os ambientes virtuais devem ser introduzidos com a intenção de agregar aprendizados, mas nunca de substituir as experiências concretas, empíricas.
“Até os 3 anos de idade a criança precisa muito do sensorial. Deve ser muito estimulada por meio do toque, do cheiro, da interação olho a olho. O aprendizado nessa fase se dá muito dessa maneira. Ela tem de pegar a maçã na mão, ver se é dura ou se é mole, que cheiro tem. E o virtual não permite esse tipo de aprendizado”, aponta Farias.
Para Luciano Meira, consultor em educação e multimídia do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R.), longe de proibir o uso, o mais adequado é que pais e educadores possam orientá-lo. “É a mesma coisa com a televisão. Mas, pelo menos no caso do tablet e outros aparelhos parecidos, há responsividade, uma arquitetura de engajamento, uma imersão em um ambiente mais dinâmico”, pondera. Segundo Meira, não se trata apenas de dar um tablet na mão da criança e estabelecer um tempo de uso. “É preciso ter bom senso e não se apropriar da tecnologia de maneira aleatória, mas por meio de uma apropriação dialogada, que visa uma aprendizagem”, alerta.
Na escola, a preocupação deve ser a mesma. “A tecnologia é parte da rotina delas e isso é irreversível, não adianta nadar contra a maré. Eu não posso fazer uma dicotomia entre o que a criança vivencia lá fora e o que a escola apresenta. Essa dicotomia faz com que a criança se desmotive”, defende Quézia Bombonatto, psicopedagoga e diretora da Associação Brasileira de Psicopedagogia. Para ela, o ponto-chave da questão é o equilíbrio.
“Quando eu coloco o tablet, por exemplo, como a única ferramenta a orientar o processo de alfabetização, isso não é legal. É bom que ela tenha a oportunidade de manusear essa ferramenta, mas uma criança de 3 anos precisa de outros estímulos psicomotores. É preciso prepará-la para a escrita, para segurar um lápis, fazer um recorte e explorar o espaço do papel”. Inclusive, uma pesquisa da Universidade de Bloomington, nos Estados Unidos, sugere que o uso excessivo de teclados e telas sensíveis ao toque pode prejudicar o desenvolvimento da aquisição da leitura em crianças. Essa pesquisa ressalta a importância da escrita à mão, utilizando o lápis e o papel, para o desenvolvimento do cérebro infantil. Os pesquisadores descobriram, através da comparação de exames de ressonância magnética e testes que mensuram a aprendizagem, que o cérebro responde de forma diferente quando aprende através da cópia de letras à mão e quando aprende as letras digitando-as em um teclado. A pesquisa concluiu que crianças que desenvolvem a escrita manual de forma mais intensa obtêm maior capacidade de desenvolvimento da leitura, comparando-se com as que aprenderam através da digitação em teclado eletrônico.
Andréa concorda. “A criança precisa ser apresentada a uma gama maior de comportamentos que contribuam para seu desenvolvimento integral. Quando estamos falando do uso pedagógico dessas ferramentas, também é importante certificar-se de que não estejam sendo usadas como modismo”, aponta.
Leia, a seguir, algumas recomendações de especialistas aos pais para orientar o uso da internet pelos filhos:
– Evitar o uso por mais de uma hora contínua. “Ficar três, quatro horas conectado direto é péssimo. No máximo, uma hora”, aconselha Farias.
– Evitar o uso de tablets e celulares antes de dormir, pois causa estímulo visual excessivo, o que prejudica o sono.
– O tablet ou qualquer outro recurso tecnológico não é uma babá eletrônica. Não é interessante oferecer o aparelho quando os pais precisam de silêncio, por exemplo.
– Tenha certeza de que proibir não educa e não previne nada. As tecnologias mais avançadas para proteger crianças e adolescentes, em qualquer espaço, continuam sendo o diálogo e a orientação.
– Alertar os filhos para que não divulguem dados pessoais na internet, não aceitem convites para se encontrarem com amigos virtuais nem recebam arquivos de estranhos. É importante acompanhar a interação com esses “amigos virtuais”.
– Manter o computador em um local em que todos convivam, como a sala, por exemplo. O objetivo não é espionar a criança, mas orientá-la sempre que necessário.
– O uso de softwares de controle ajuda a regular o acesso a determinados sites na internet.
– Regra de ouro: oriente-os a tratar as pessoas que estão online com cortesia, da mesma forma como eles gostariam de ser tratados, nunca enviando mensagens ofensivas ou desagradáveis. Também existem “regras de convivência” para a utilização do espaço virtual.
Texto de Thais Paiva. Disponível em: http://www.cartaeducacao.com.br/reportagens/tecnologia-e-infancia-combinam/
(adaptado pelo Serviço de Orientação Psicopedagógica – SOP). OSG.: 3010-16 – CRCA/Rev.: ACL/KCS