No dia 10 de abril, André foi portador do seguinte bilhete de sua professora para sua mãe: “Prezada Ana Maria, André hoje se comportou mal, não fez a lição e atrapalhou o trabalho de grupo. Peço tomar providências. Assinado: Teca, professora do pré”.
No dia 12 de abril, André entregou para sua professora o seguinte bilhete, mandado por sua mãe: “Prezada Teca, hoje André se comportou mal, não quis escovar os dentes e brigou com a irmã. Peço tomar providências. Assinado: Ana Maria, mãe”.
Afinal, quem deve educar André? A mãe deve encapar os cadernos dele? Os pais devem controlar a lição de casa? A escola é responsável pelas condições de saúde dos alunos? Está mesmo complicado responder a essas questões e traçar os limites entre o que cabe à escola e o que compete aos pais. Essa demarcação já foi simples: a escola devia instruir, aos pais cabia educar. Hoje os territórios se confundem. Educação sexual é tarefa de quem? A escola deve falar sobre drogas, ou isso é assunto dos pais? Educação religiosa na escola é uma necessidade ou um retrocesso?
Quem vai alertar sobre o flagelo da Aids? Os pais gostariam que a escola atendesse a tudo isso e ainda tivesse competência pedagógica para garantir o ingresso do aluno numa boa faculdade.
Mas a vida escolar não é uma continuação da vida em família, e a transmissão de informações deixou de ser a tarefa primordial da escola.
Afinal, os meios de comunicação – sobretudo a TV e a internet – levam essas informações ao aluno com rapidez e eficiência. Nem por isso a sala de aula e o professor tornaram-se dispensáveis. Para se orientar em meio ao bombardeio de informações, é indispensável que a criança desenvolva uma escuta crítica. Cabe aos pais e à escola a delicada tarefa de transformá-la de esponja em filtro. Além disso, nada substitui o colégio no processo de inserir a criança no universo do coletivo, de fazer a mediação entre ela e o mundo. Essa experiência – que exige o contato rotineiro com o diferente – a família não pode oferecer.
Muitos pais alimentam a fantasia de que, conseguida a vaga na escola ideal, está definitivamente resolvida sua participação na educação formal dos filhos. A distância e o tempo gasto no trajeto, somados aos sacrifícios financeiros para que o carnê escolar caiba num orçamento exíguo, são reflexos dessa ilusão.
Esses pais têm expectativas exageradas, a que dificilmente a escola, por melhor que seja, pode atender. Não existe a escola perfeita, mas alguns aspectos devem ser observados para levantar pontos positivos e negativos de uma instituição. Não adianta possuir os equipamentos mais avançados nem os brinquedos mais sofisticados se os alunos não tiverem acesso a essas instalações.
Convém ver a escola funcionando, entrar em contato com pais de alunos para saber como as direções e orientações se traduzem na prática. Lição de casa, caderno de classe, comentários na volta da escola – esteja atento a tudo isso.
Um ponto de partida operacional é formular com clareza o que os pais não admitem (“Não quero uma escola que…”). Exemplos de critérios de exclusão seriam posturas preconceituosas, elitismo, métodos pedagógicos tradicionais ou demasiado experimentais. A seguir, os pais podem examinar os quesitos positivos considerados essenciais (“Faço questão de que a escola tenha…”), para depois complementar com o que serviria como critério de desempate (“Gostaria que a escola tivesse…”), como o cardápio extracurricular (esportes, atividades culturais, grêmio, ensino de línguas, computação). O ambiente físico também deve ser levado em conta: salas claras e espaçosas são mais adequadas às tarefas escolares, banheiros e corredores limpos refletem o cuidado dos responsáveis.
A escolha dos itens e seu peso dependem de cada família. Os critérios podem variar em função de mudanças das condições de vida e ao longo do processo de amadurecimento da criança. Os quesitos para a pré-escola são diferentes dos que irão nortear aescolha de uma escola de ensino médio.
Quando os pais escolhem uma escola porque “confiam nela” ou se identificam com sua “postura ideológica”, podem atribuir significados diferentes a essa “confiança” ou “ideologia”. Jamais fica claro o que realmente os pais estão delegando à instituição, nem o que a escola espera que as crianças tragam de casa, como uma espécie de currículo oculto. Mas a aliança entre a escola e a família é fundamental para o sucesso de um projeto educacional. Os pais devem funcionar como uma ponte, e não um obstáculo, entre os filhos e a escola. E vice-versa.
Lídia Aratangy é psicoterapeuta, consultora do MEC e
autora de livros.