Há muitos anos, quando meus filhos ainda eram pequenos, assisti a uma cena que trago na memória até hoje. Era um daqueles campeonatos de judô, em que a gente vai para prestigiá-los. Ali pelas tantas, enquanto uma das lutas aconteciam no tatame, havia um pai ao meu lado, que torcia para o seu filho e num certo momento, tomado pela emoção, imagino, começou a gritar : “vamos filho, derruba ele, vai, acaba com ele, mata ele!”
Ao ouvir aquelas palavras me senti profundamente incomodada, até um pouco entristecida, e algumas reflexões vieram à minha mente. Aquela era apenas uma luta de judô entre amigos de uma mesma academia e que tinham de cinco a sete anos. Será que aquele menino teria de ganhar a luta a qualquer custo para atender aos anseios de seu pai? E se ele perdesse a luta, o que, afinal, aconteceria?
Muitos de nós já vivenciamos situações bastante delicadas, quando nossos filhos foram agredidos por outras crianças e ficamos em dúvida quanto ao incentivo sobre “devolver ou não na mesma moeda.” E quem de nós já não teve aquele impulso incontrolável de dizer para o filho furar a fila do cinema e dar uma de espertinho?
Se todos fazem isso, por que e para que faríamos diferente? Será que nesse mundo tão desumano vale a pena sermos honestos? Que tipo de valores queremos transmitir aos nossos filhos? Qual será o seu futuro e o futuro de nossa sociedade? Será que não corremos o risco de criarmos filhos indefesos e bobões? Afinal, o mercado de trabalho está cada vez mais difícil e temos de prepará-los para a luta!
Vivemos hoje, com certa tristeza, uma crise de valores éticos e morais. Afirmamos o nosso individualismo, acentuamos a nossa competitividade, ficamos cada vez mais isolados nesse mundo selvagem onde prevalece a “lei de Gerson”.
Penso que é fundamental podermos, como pais, estabelecer os padrões que nortearão nossa conduta educacional, a linha que pretendemos seguir, os valores e crenças nos quais acreditamos, aqueles que valorizamos. Não podemos esquecer jamais da ética e da moral !!! O legado moral que passarmos aos nossos filhos poderá, no meu entendimento, determinar futuramente uma mudança de valores na nossa sociedade. Acredito fortemente em efeitos multiplicadores.
Se cada pai e mãe se preocupar seriamente em desenvolver nos seus filhos condutas éticas de amor e respeito ao próximo, sentimentos de justiça social, solidariedade, honestidade, amizade, lealdade, o efeito multiplicador desses princípios poderá levar muitos indivíduos a se preocuparem mais com os seus semelhantes.
Se, ao contrário, acharmos que para viver nesse mundo teremos de incentivar ou até ficar impassíveis frente a situações de agressão, desonestidade, falta de respeito, com certeza e com profundo pesar, estaremos selando o nosso próprio destino porque os nossos filhos não terão desenvolvido sentimentos positivos nem mesmo em relação aos seus próprios pais. O que dizer, então, em relação aos irmãos, amigos, professores, avós e por aí afora.
Alguns poderão dizer que estou exagerando ou sendo muito idealista! No entanto, quero dizer que, como pessoa humana e profissional, acredito na capacidade do ser humano de se transformar num cidadão cada vez melhor. Conseguir isso não é nada fácil, muito menos rápido. Sabemos bem que crianças muito pequenas batem e mordem movidas por impulsos ou reações de frustração. Claro que elas ainda não têm condições de equilíbrio ou maturidade para pensar no outro. É um comportamento até normal em determinadas fases. Mas esse fato não justifica que os pais fiquem quietos e deixem passar uma excelente oportunidade para
trabalhar conceitos éticos importantes, conceitos que não surgem por si só, mas pelo trabalho árduo e incessante.
Se nos alienamos, concordamos. Se, com carinho – porém, firmemente -, interferimos, estaremos mostrando-lhes que os nossos valores são outros, menos individualistas e nem por isso nos tornamos mais frágeis ou bobões. Esse é o melhor ensinamento: o nosso exemplo, a nossa forma de viver. Quanto aos outros pais não agirem da mesma forma, sempre digo e direi: se nosso vizinho rouba ou bebe, iremos fazer também? Se um colega de trabalho nos trai, faremos o mesmo?
Diante dos fatos atrozes de horror, ódio e intolerância, ocorridos nas últimas semanas nos Estados Unidos, o que poderemos dizer aos nossos filhos? Não, não podemos deixar que isso passe despercebido a nós ou a eles! Temos aí uma grande oportunidade de dizer a eles o que pensamos sobre o amor ao próximo, o respeito às diferenças de raça, cor ou religião e o valor que damos à vida humana. Afinal, somos cidadãos do mundo.
É, na realidade, no dia a dia que as crianças se formam, que os melhores e piores exemplos são assimilados. Não podemos, de forma alguma, deixar que esses acontecimentos nos tornem pessoas mais frias ou desesperançosas com a humanidade. Precisamos acreditar num mundo melhor, mais justo, pois só com essa crença poderemos agir e alcançar os nossos objetivos. Não percamos a fé no ser humano!!! Não percamos a esperança na nossa capacidade de fazer mudanças efetivas e ajudarmos na construção de um futuro melhor para os nossos filhos e netos. Coragem!
Dr. Mônica Mlynarz, Terapeuta Individual e Familiar.
http://www.alobebe.com.br/site/revista/reportagem.asp?Texto=194
Acesso em 05/07/2005