Pesquisas realizadas, nas últimas décadas, baseadas na análise de produções das crianças e das práticas correntes, têm apontado novas direções no que se refere ao ensino e à aprendizagem da linguagem oral e escrita, considerando a perspectiva da criança que aprende. Ao considerar as crianças ativas na construção de conhecimentos e não receptoras passivas de informações, há uma transformação substancial na forma de compreender como elas aprendem a falar, a ler e a escrever.

A linguagem oral possibilita comunicar ideia, pensamentos e intenções de diversas naturezas, influenciar o outro e estabelecer relações interpessoais. Seu aprendizado acontece dentro de um contexto. As palavras só têm sentido em enunciados e textos que significam e são significados por situações. A linguagem não é apenas vocabulário, lista de palavras ou sentenças. É por meio do diálogo que a comunicação acontece. São os sujeitos em interações singulares que atribuem sentidos únicos às falas. A linguagem não é homogênea: há variedades de falas, diferenças nos graus de formalidade e nas convenções do que se pode e deve falar em determinadas situações comunicativas. Quanto mais as crianças puderem falar em situações diferentes, como contar o que lhes
aconteceu em casa, contar histórias, dar um recado, explicar um jogo ou pedir uma informação, mais poderão desenvolver suas capacidades comunicativas de maneira significativa.

Pesquisas na área da linguagem tendem a reconhecer que o processo de letramento está associado tanto à construção do discurso oral como do discurso escrito. Principalmente nos meios urbanos, a grande parte das crianças, desde pequenas, estão em contato com a linguagem escrita por meio de seus diferentes portadores de texto, como livros, jornais, embalagens, cartazes, placas de ônibus etc., iniciando-se no conhecimento desses materiais gráficos antes mesmo de ingressarem na instituição educativa, não esperando a permissão dos adultos para começarem a pensar sobre a escrita e seus usos. Elas começam a aprender a partir de informações

provenientes de diversos tipos de intercâmbios sociais e a partir das próprias ações, por exemplo, quando presenciam diferentes atos de leitura e escrita por parte de seus familiares, como ler jornais, fazer uma lista de compras, anotar um recado telefônico, seguir uma receita culinária, buscar informações em um catálogo, escrever uma carta para um parente distante, ler um livro de histórias etc.

A partir desse intenso contato, as crianças começam a elaborar hipóteses sobre a escrita. Dependendo da importância que tem a escrita no meio em que as crianças vivem e da frequência e qualidade das suas interações com esse objeto de conhecimento, suas hipóteses a respeito de como se escreve ou se lê podem evoluir mais lentamente ou mais rapidamente. Isso permite compreender por que crianças que vêm de famílias nas quais os atos de ler e escrever têm uma presença marcante apresentam mais desenvoltura para lidar com as questões da linguagem escrita do que aquelas provenientes de famílias em que essa prática não é intensa. Esse fato aponta para a importância do contato com a escrita nas instituições de Educação Infantil.

Para aprender a ler e a escrever, a criança precisa construir um conhecimento de natureza conceitual: precisa compreender não só o que a escrita representa, mas também de que forma ela representa graficamente a Linguajem. Isso significa que a alfabetização não é o desenvolvimento de capacidades relacionadas à percepção, memorização e treino de um conjunto de habilidades sensório-motoras. É, antes, um processo no qual as crianças precisam resolver problemas de natureza lógica até chegarem a compreender de que forma a escrita alfabética em português representa a linguagem, e assim poderem escrever e ler por si mesmas.

Quais são as implicações para a prática pedagógica e quais as principais transformações provocadas por essa nova compreensão do processo de aprendizagem da escrita pela criança? A constatação de que as crianças constroem conhecimentos sobre a escrita muito antes do que se supunha e de que elaboram hipóteses originais na tentativa de compreendê-la amplia as possibilidades da instituição de Educação Infantil enriquecer e dar continuidade a esse processo. Essa concepção supera a ideia de que é necessário, em determinada idade, instituir classes de alfabetização para ensinar a ler e escrever. Aprender a ler e a escrever fazem parte de um longo processo ligado à participação em práticas sociais de leitura e escrita.

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil/
Conhecimento de Mundo/Ministério da Educação e do Desporto,
Secretaria de Educação Fundamental – Brasília: MEC/SEF, 1998, 3v.:II.
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