Calma, morder não é muito elegante. Mas veja o que, para a criança, isso significa.
Na faixa de um ano, um ano e meio, é principalmente através da boca que a criança se comunica com o mundo. É com a boca que ela se alimenta, chora, experimenta as coisas e luta por elas. Uma luta que deixa suas marcas. Nessa idade, ela já está de dentinhos novos, muito afiados e isso às vezes pode tornar meio trágica essa cena bastante comum: a criança vai pegar o brinquedo, outra criança se interpõe no meio e o resultado é invariavelmente uma mordida.
A tragédia aí não é nem com essas crianças. A que morde até se assusta com as consequências do seu ato. A que foi mordida chora um pouco, esquece e logo estão brincando juntas. E tudo bem. Mas não na cabeça dos pais. É na cabeça deles que a tragédia começa. Vejam a reação mais comum do pai da criança que mordeu: “Tanta violência no mundo e o meu filho, tão pequeno, já se revela um agressor”. E começa a impedir rigidamente esse tipo de comportamento da criança.
E não é o melhor que ele faz. Com essa atitude, ele está inibindo algo fundamental para o desenvolvimento do filho: a capacidade de canalizar a sua força na direção de um determinado objetivo, a combatividade desta criança. É claro que, nessa idade, a combatividade se expressa de forma oral, através da boca. Daí a mordida. Uma mordida, aliás, que não tem nenhuma intenção violenta. A criança queria apenas a bola e mordeu o obstáculo que se interpôs entre ela e o brinquedo. Tanto que é uma mordida sem intenção nem direção. Pega no braço, na perna, no bumbum da outra. Não se trata de uma mordida pessoal.
Se a criança aprende que usar esta combatividade, esta sua ainda desajeitada forma de lutar pelas coisas, é uma atitude errada, na próxima vez ela vai inibir sua energia, sua força, sua capacidade de lutar. E, já tão cedo, registrar que lutar pelas coisas é feio. E vai ser, quem sabe, aquele adulto apático, chorão, incapaz de lutar sozinho pelo que quer. Mesmo com três, quatro anos, já vai se revelar talvez uma criança marcada pela não combatividade: “Tia, ele pegou minha borracha!!! Manhê ele mexeu comigo.” Um dia ele foi lutar e acabou criticado, inibido, agora chora e fica sentado, esperando que alguém brigue por ele.
O pai da criança, que aparece em casa com a marca da mordida, também tem em geral uma postura inibidora: “Meu filho está virando um saco de pancadas! Vai ser um bocó, não sabe se defender, todo mundo vai bater nele”. E a primeira coisa que este pai faz é ir correndo tirar satisfações da escola. Ora, se o filho percebe que o pai defende sempre, o que resta fazer senão sentar e esperar a defesa dos adultos? E a verdade é que este pai está sendo no mínimo apressado.
Ele nem viu como o fato ocorreu. Quem garante que o seu filho não reagiu? Quem garante que aquela mordida já não é o troco de uma outra que o seu filhinho deu primeiro? O que me preocupa neste país é que seu medo se baseia numa total ignorância das fases do desenvolvimento infantil. Na hora em que o desenvolvimento da criança superar a fase oral, ela naturalmente não vai morder mais. Ela vai ser capaz de usar uma outra forma de expressão: a palavra. Porque aí ela já sabe falar. E já não morde, xinga. Ou então empurra, puxa os cabelos, porque já tem mais força física. Respeitada numa fase, a criança passa saudavelmente para a seguinte.
Por isso, a postura inibidora do adulto nunca se justifica. Então o pai vai deixar o filho morder, dizer nome feio, passar vergonha numa boa? Nada disso. Procure canalizar o desenvolvimento para a próxima fase. Seu filho mordeu, a outra criança está chorando? Explique: “Olha como doeu no seu amiguinho, não precisa morder, peça a bola que ele empresta, ou brinquem vocês dois”. De que adianta, se a criança não sabe falar? Não sabe, mas registra a sua maneira. Registra e é estimulada a passar para a fase seguinte, a da expressão verbal. Isso é muito melhor do que inibir, dizer que é feio, bater. Não é feio, nem com um ano de idade, lutar pelos seus objetivos na vida. E crianças muito reprimidas nesta fase vão ser os adolescentes passivos, chorões de amanhã.
Adriana Tavares
Psicopedagoga
Equipe Kids

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